quinta-feira, 27 de maio de 2010

Areal

Caminhava lentamente pela areia.
Pelo areal me levava deixando os meus pés nus e descalços seguirem o caminho que bem entendessem. Sozinha. Despida de nada e vestida de tudo. Despida de ânimo e de alegria, despida de ti. Vestida de horrores e imunda de medo. Quase me passaste ao lado.
Quando olhei, senti um corte fino nos meus pés, e o sangue quente a pulsar-me nas veias.
Vi os meus pés transformarem-se num mar sereno de lágrimas, e as minhas lágrimas num pranto de sangue. As minhas mãos deram um nó cego, visível o suficiente para entender que nada podia fazer por mim.
Deixei que os meus pés se desunissem de mim, como se fosse o destino deles partilharem um caminho diferente que o meu. Mas eu sabia que não. Deitei o meu corpo impávido na areia, e gritei soluços com toda a força que tinha. Só queria que este pesadelo tivesse passado, que o tempo o tivesse afogado no sangue onde o gravou a ferros. Mas deixei que os meus pés fossem. Perdi-os agora!
O rasto de mar sereno apagou o pranto de sangue e eu deixei que tu partisses. Deixei que os levasses. Apaga-me o passado como me apagaste a dor. Apaga-me a dor como no passado me deste alegria. Não deixes de ser o meu caminho, mesmo que eu não tenha pés. Mas...

... Para que preciso de pés, de tenho asas para voar? (Frida Kahlo)

Que sensação de Dejá-vu estranha...

Este texto NÃO foi escrito segundo o Novo Acordo Ortográfico. Nenhum texto há de assim ser escrito. Porque caso fossem, seriam textos impossíveis de ler.

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