quinta-feira, 14 de maio de 2020

Filhos, mas de nós ninguém quer saber

Escrevo as letras e apago mal a frase termina.
Gostava de poder ser livre de tomar a decisão que me apetecer sem pressas e sem pressão.
Gostava de poder sentir um sinal, de sentir um chamamento, um dom.
Gostava que a cada palavra Maternidade, mãe, filhos ou gravidez, eu não fosse atirada para um buraco cheio de gente com opiniões, sempre com as mesmas frases, as mesmas deixas.
Mas não. Todos os primeiros pensamentos são no futuro, numa decisão que não cabe a ninguém senão a mim.
Não sei se quero filhos, mas não quero ser pressionada a tê-los.
Não sei se quero filhos e que me os estejam sempre a impingir, independentemente do meu estado de saúde.
Não sei se quero filhos e que mos obriguem a ter, se, afinal, por todas as decisões que me trouxeram até aqui, a vida me tenha estragado por dentro, que a confusão e desorganização se calem através da medicação.
Ninguém quer saber.
Ninguém que saber de nada senão quando vais parir.
Como se fossemos puras máquinas de fazer seres humanos.
Com botões, de ligar e desligar, cujo botão de desligar apenas pode ser activo quanto tiveres dois filhos. Um marido. Uma casa. Um carro ridículo, para levares a filharada.
Ninguém quer saber de como estás. Ninguém se importa.
Arrastam-te um tema até que tenhas de perder o respeito, que tenhas de perder a razão, porque não quiseram ouvir. Porque não souberam ouvir.
Sinto-me como se tivesse 70 anos e atrasada. Atrasada em tudo. Atrasada na vida, sem estar casada, sem filhos. Sem carro, sem casa.
Como se todo o trabalho e progresso que tivesse atingido profissionalmente fosse incomparavelmente inferior e sem nenhum valor, perante o valor maior que, acham, é a maternidade.
O problema senhores? O problema?
O problema é que estou podre. Sou podre. Deixaram-me podre.
E não quero por ao mundo uma criança minada de bem e podridão. De problemas. De memórias que não lhe correspondem. Isto se puder.
Hoje em dia é tão fácil por filhos ao mundo a quem se está literalmente a marimbar e do outro lado da balança, os que se importam, os que podem, os que amam, os que estão preparados, os que conseguem... Lutam por poder ter alguém com quem partilhar o amor, as palavras, os dias, a vida.
Mas não.
Para esses, a pressão deve ser desmesurada, descomunal.
Horrível ao ponto do desespero.
E vocês senhores? Vocês sem se enxergarem e tomarem um pouco de vergonha na cara, pela dor que causam sem saber. Não custa nada calar. Não falar do tema. Porque a vida nem é vossa.
É nossa.
E na puta da minha casa, mandamos nós. E não vocês.

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